segunda-feira, 7 de abril de 2014

Soroco Negro

Soroco é o nome que meu filho Márlio deu a um gato de rua que encontrou à morte e pequenino nas ruas de Ilha Bela, onde vivia então. O Soroco era de cor amarela com rajas brancas e cresceu se tornando um lindo e grande gato cheio de personalidade própria. Se mudando da Ilha Bela para Cacoal meu flho levou consigo o Soroco, pois tinha por ele uma imensa afeição. Em casa, viviam várias gerações de cães basset teckel, que crio há muitos anos. O Soroco se impôs frente a eles e conseguiu delimitar seu espaço. Eu, sempre ocupada com mil coisas, nunca sequer fiz um carinho ao Soroco. Quando me encontrava em Kabul, num daqueles dias brancos, recebi um telefonema de meu filho, que chorando e inconsolável, me contou que o Soroco havia morrido. Senti uma grande tristeza pela morte do grande gato, pela dor do meu filho e pelo fato de nunca haver demonstrado nenhum afeto ao animal. Neste mesmo dia, olhando através da vidraça os tetos brancos das casas vizinhas, vi uma figura de felino negro caminhando sobre uma parreira em meio aos pontos brancos de neve. Repentinamente me veio uma imensa vontade de atrair aquele gato e compensar em atenção e carinhos tudo o que não fiz pelo Soroco. Passei então a espreita-lo cotidianamente nas suas incursões pelos muros e tetos das casas. Era um gato de rua, adulto, grande  e arisco...chamei-o Soroco Negro.



               Cenário por onde Soroco Negro perambulava
                                           Quando vi o Soroco Negro pela 1a vez

Soroco Negro,
contraposição,
extremo,
deitado na neve branca.
Eu te busco,
te espreito
e te chamo.
Querer ardente,
compensação do que não fiz
pelo Soroco Amarelo Rajado.
Agora uma dor.
Se queres aqui estou,
pronta para acariciar
sem tempo contado,
seus pelos negros,
contraposição extrema
com a neve branca.
Kabul/março/2005

Tracei então uma meta estratégica. Iria aproximá-lo da minha casa com comida, que sabia ser o que ele buscava diariamente nas suas saídas, pois não tinha dono que o tratasse. Pensando assim, coloquei em uma pequena tigela de porcelana uma boa quantidade de sardinhas, em um canto ao fundo da casa. Dois dias se passaram e a sardinha continuava intacta. Até que um dia, após ter nevado muito e o solo se apresentar com uma grossa camada branca que afundava a qualquer peso, saí para verificar se ele tinha percebido a iguaria. E com muita alegria vi as marcas de suas patinhas na neve. Emocionada as segui. Não deu outra! Ele tinha encontrado a comida! Senti uma satisfação indescritível e soube que havia começado a alcançar meu intento. Passei a colocar comida diariamente e diariamente essa ia sendo consumida. Mas não conseguia vê-lo. Passaram-se dias e resolvi colocar a tigela com as sardinhas em um local onde eu pudesse enxergar o que se passava no jardim através da janela do meu quarto. Resolvi montar guarda. Então, em um momento, após estar cansada de esperar, com uma grande satisfação, o vi chegar cauteloso e encontrar a comida. Corri e tentei me aproximar, ao que ele respondeu com uma desabalada corrida até um ponto que marcava uma distancia segura de mim. Foram dias de tentativa, até que em um desses, sentei-me na varanda, sob o frio intenso e resolvi esperar até que ele chegasse. Me coloquei bem próxima ao local onde colocara a comida e neste dia ele se aproximou suave. Me mantive quieta. Assim me portei por alguns dias. Me aproximava mais e mais a cada dia. Passei então a chama-lo de Soroco da forma que chamamos gatos, independentemente de sua nacionalidade. -"Soroco vem, Chanim, chanin....psiuiiiiiiiii...."- Ele só me olhava e abaixava os olhos, a cabeça, e continuava sua tarefa. Continuei insistindo até que em um momento ele cedeu aos meus apelos. Se aproximou de mim, e como fazem os gatos, começou a se esfregar em minhas pernas. Continuamos nosso namoro por mais alguns dias até que ousei tocá-lo. Ele aceitou meu toque. Foi um momento cheio de magia. Senti que havia conseguido alcançar o que pretendia. À partir daí ele ficou meu amigo. Não fugia mais, entretanto eu não ousava pegá-lo ao colo.
No dia em que voltei para o Brasil por ocasião da minha primeira viagem a Kabul, antes de sair, o chamei em voz bem alta. Fiz só por fazer, pois não acreditava que ele atenderia ao meu chamado mas ele apareceu, e pela primeira vez o peguei ao colo...    




sábado, 5 de abril de 2014

dança afegã - Marian


O grande preconceito a que o Islã é submetido não permite que as pessoas busquem as belezas e sensibilidades do Afeganistão, que é visto pela maioria como um país de horrores. Tive o privilégio de conhecer tanto os impactos terríveis das sucessivas guerras às quais o país foi submetido quanto as riquezas culturais que o país guarda no âmago de sua sociedade. Aqui nessa postagem um cadinho dessa beleza e doçura.

Cushis belezura


Cushis...
crianças, mulheres, homens...
coloridos com seus camelos
coloridos...burricos coloridos.
Verde, azul, amarelo, roxo...arco íris.
Nômades coloridos.
Tendas negras e lágrimas salgadas.
Pedras vermelhas marcadas
pra ninguém pisar.
Quem “cushi”...pisou, perdeu, morreu.
Bonecas pras meninas.
Quem menina pegou, perdeu, morreu.
Deserto adornado diabolicamente com canhões.
Oásis sem tamareiras.
Cushis
Cromobelezura
Pushtun, tadjique, hazará, usbek, turkman
do Afeganistão.
Meus olhos enchem de cor
quando os vejo passar.
Menina colorida,
Cuidado...
não pegue a boneca.
PUM!
Kabul março/2005


quinta-feira, 3 de abril de 2014

Branco

Branco reluz.
Branco floco que cai.
Se sobrepõe ao branco já.
Branco mais branco que a roupa
de Iemanjá.
Branca Kabul.
Branca, estéril a minha dor.
Branco floco que cai.
Branco o meu amor.
A minha dor.
Branca a minha pouca esperança.
Branca a saudade.
A vontade de ser de outra cor.
Coração branco
aqui em Kabul...

Kabul – março/2005