Soroco é o
nome que meu filho Márlio deu a um gato de rua que encontrou à morte e
pequenino nas ruas de Ilha Bela, onde vivia então. O Soroco era de cor amarela com
rajas brancas e cresceu se tornando um lindo e grande gato cheio de
personalidade própria. Se mudando da Ilha Bela para Cacoal meu flho levou consigo
o Soroco, pois tinha por ele uma imensa afeição. Em casa, viviam várias gerações de cães basset teckel, que crio há muitos anos. O Soroco se impôs frente a eles e
conseguiu delimitar seu espaço. Eu, sempre ocupada com mil
coisas, nunca sequer fiz um carinho ao Soroco. Quando me encontrava em Kabul,
num daqueles dias brancos, recebi um telefonema de meu filho, que chorando e
inconsolável, me contou que o Soroco havia morrido. Senti uma grande tristeza
pela morte do grande gato, pela dor do meu filho e pelo fato de nunca haver demonstrado
nenhum afeto ao animal. Neste mesmo dia, olhando através da vidraça os tetos
brancos das casas vizinhas, vi uma figura de felino negro caminhando sobre uma
parreira em meio aos pontos brancos de neve. Repentinamente me veio uma imensa vontade de atrair aquele gato e
compensar em atenção e carinhos tudo o que não fiz pelo Soroco.
Passei então a espreita-lo cotidianamente nas suas incursões pelos muros e
tetos das casas. Era um gato de rua, adulto, grande e arisco...chamei-o Soroco Negro.
Cenário por onde Soroco Negro perambulava
Quando vi o Soroco Negro pela 1a vez
Soroco
Negro,
contraposição,
extremo,
deitado na
neve branca.
Eu te
busco,
te
espreito
e te chamo.
Querer
ardente,
compensação
do que não fiz
pelo Soroco
Amarelo Rajado.
Agora uma
dor.
Se queres
aqui estou,
pronta para
acariciar
sem tempo
contado,
seus
pelos negros,
contraposição
extrema
com a neve
branca.
Kabul/março/2005
Tracei
então uma meta estratégica. Iria aproximá-lo da minha casa com comida, que
sabia ser o que ele buscava diariamente nas suas saídas, pois não tinha dono
que o tratasse. Pensando assim, coloquei em uma pequena tigela de porcelana uma
boa quantidade de sardinhas, em um canto ao fundo da casa. Dois dias se
passaram e a sardinha continuava intacta. Até que um dia, após ter nevado muito
e o solo se apresentar com uma grossa camada branca que afundava a qualquer
peso, saí para verificar se ele tinha percebido a iguaria. E com muita alegria
vi as marcas de suas patinhas na neve. Emocionada as segui. Não deu outra! Ele
tinha encontrado a comida! Senti uma satisfação indescritível e soube que havia
começado a alcançar meu intento. Passei a colocar comida diariamente e
diariamente essa ia sendo consumida. Mas não conseguia vê-lo. Passaram-se dias
e resolvi colocar a tigela com as sardinhas em um local onde eu pudesse
enxergar o que se passava no jardim através da janela do meu quarto. Resolvi
montar guarda. Então, em um momento, após estar cansada de esperar, com uma
grande satisfação, o vi chegar cauteloso e encontrar a comida. Corri e tentei
me aproximar, ao que ele respondeu com uma desabalada corrida até um ponto que
marcava uma distancia segura de mim. Foram dias de tentativa, até que em um desses, sentei-me na varanda, sob o frio intenso e resolvi esperar até que ele
chegasse. Me coloquei bem próxima ao local onde colocara a comida e neste dia
ele se aproximou suave. Me mantive quieta. Assim me portei por alguns dias. Me
aproximava mais e mais a cada dia. Passei então a chama-lo de Soroco da
forma que chamamos gatos, independentemente de sua nacionalidade. -"Soroco vem, Chanim, chanin....psiuiiiiiiiii...."- Ele só me olhava e abaixava os olhos, a cabeça, e continuava sua tarefa. Continuei insistindo até que em um momento ele cedeu aos meus
apelos. Se aproximou de mim, e como fazem os gatos, começou a se esfregar em
minhas pernas. Continuamos nosso namoro por mais alguns dias até que ousei
tocá-lo. Ele aceitou meu toque. Foi um momento cheio de magia. Senti que havia
conseguido alcançar o que pretendia. À partir daí ele ficou meu amigo. Não
fugia mais, entretanto eu não ousava pegá-lo ao colo.
No dia em que
voltei para o Brasil por ocasião da minha primeira viagem a Kabul, antes de sair, o chamei em voz bem alta. Fiz só por fazer, pois não acreditava que ele atenderia ao meu chamado mas
ele apareceu, e pela primeira vez o peguei ao colo...