Tenho postado nesse blog pouco visualizado, as minhas impressões sobre o que vivi no Afeganistão. Minhas emoções, meus longos períodos de solidão com meus pensamentos e a expressão do meu amor pelas pessoas e por tudo que vivi. Estive no
Afeganistão por duas vezes. Como já havia estado por outras duas vezes no
vizinho Paquistão, de alguma forma já me sentia familiarizada com os hábitos
islâmicos daquele canto do mundo, mas lá houve algo que me prendeu e que de uma
forma curiosa me abriu para conhecer mais sobre os princípios do Islã, esse mundo tão
discriminado no ocidente.
Eu havia
estado anteriormente na fronteira do Paquistão com o Afeganistão em uma viagem
de trem, via Khyber Pass. Nesta primeira
visão fronteiriça do Afeganistão vi o caminho de Alexandre o Grande, entre as
montanhas, comi pela primeira vez o arroz khabuli, delicioso e condimentado.
Ouvi pela primeira vez o som da música regional, sentada entre muitos, em
grandes tapetes, dispostos no solo cru, sob uma tenda. Impossível esquecer pois
a música exótica, misturada ao som do vento fresco, entre nativos e um número inexpressivo de turistas. Me envolvia de uma forma tão profunda, impossível de
descrever. Mas era o prenúncio do que eu sentiria no Afeganistão, anos depois.
A minha
primeira viagem ao Afeganistão foi longa com uma conexão em Dubai, perdida no
imenso aeroporto em construção e entupido de gente. Era época do Ramadã e
muçulmanos de várias nacionalidades e culturas se dirigiam a Meca na ânsia de
beijar a pedra Negra na Santa Caaba. Entrei em uma imensa fila para passageiros
em conexão e me extasiei com a variedade dos trajes e jeitos islâmicos. Fiquei
ali naquela fila, esquecida do mundo, olhando as fisionomias, roupas e sons, pensando
no sentimento que moviam aquelas pessoas a saírem de lugares tão distantes e
diversos para pelo menos uma vez na vida entrarem na roda em torno da Caaba e beijar a antiqüíssima Pedra Santa. Quando
dei por mim busquei saber a hora e vi que havia demorado muito na fila. Meio em
desespero saí da fila para buscar socorro que naquele lugar e situação não foi
muito fácil. Mas consegui arranhando inglês com um jovem que permitia ou não a entrada de
pessoas para as outras dependências do aeroporto.Ele olhou meu bilhete e me
disse que meu avião já estava no ar. Fiquei ali atônita, sem saber o que fazer.
Percebendo minha aflição ele me encaminhou a um guichê da Emirates, que era a
companhia aérea que me levou até lá e me levaria a Kabul. Ao final das contas,
me enviaram a um hotel no centro de Dubai. Pude escolher entre ir a Karachi em
posterior conexão a KAbul ou ir direto, após 24 horas ao meu destino final que
era KAbul. Preferi a segunda opção e tive a possibilidade de vivenciar um dia inteiro, a bordo de um táxi, com motorista pakistani, a Dubai em obras. Dali Kabul e as coisinhas que vou postando para quem interessar em saber.
Escolhi iniciar pelo Afeganistão pois ali senti fortes emoções, talvez pela exoticidade de tudo à minha volta mas especialmente pelo sentimento que me faz querer voltar e rever as pessoas e os lugares que ficaram eternamente na minha memória.
Andar pelas
ruas de Kabul era sempre um prazer para mim. Mesmo em meio a tanta destruição
eu conseguia ver beleza e observava tudo. Às vezes saía com Akheláh, que
cuidava da casa e das tarefas domésticas e não me deixava fazer nada. Ás vezes
sozinha e também com Michael. Mesmo que no processo de reconstrução do país,
após a queda do Talibã não fosse mais exigido que as mulheres usassem burka,
muitas ainda usavam. Até Akheláh, mulher de uma família simples e maravilhosa,
cujo esposo e filhos homens não exigiam este hábito, ela saía às ruas somente
de burka. Um dia perguntei a ela por que ela estava sempre sob a sua burka
cinza sobre o corpo e ela me respondeu que a usava porque gostava, porque sob
aquela vestimenta ninguém sabia como ela era e que por isto se sentia protegida
dos olhares masculinos para bem ou mal. E enfatizou que usava porque gostava,
simplesmente gostava...
Afghanis
nas ruas
brancas.
Sem
sombrinhas,
passos
rápidos...
Mulheres...burkas...frágeis
protetoras
da
ansiedade dos homens
ou da neve
que cai?
Nas ruas de
Kabul
mulheres
coloridas
embaixo das
burkas cinza azul.
Alegres.
Batom e
sensualidade.
Nas ruas,
passos, um atrás
do outro.
E quem
sabe?
E quem são?
E o que sentem?
Mulheres
coloridas
embaixo das
burkas cinza azul...
Afghanis...
Kabul/março/2005