sábado, 8 de março de 2014

Kabul, capital do Afeganistão, se situa em um vale entre montanhas muito altas. Estas no seu entorno, sempre nevadas, são o começo do Hindukush, que por sua vez é uma parte dos Himalaias. Quando o avião se prepara para iniciar a descida, ainda sobrevoando as montanhas altíssimas, pontiagudas e brancas, uma ansiedade brota. A proximidade dos cumes é grande e um universo assustador se impõe. Melhor é não olhar para baixo mas a minha natural curiosidade ultrapassa os limites do meu medo e olho. Olho e fico extasiada com aquela paisagem. Me sinto pequenina e limitada. Penso em que tipo de vida transita por aquelas paragens assustadoras sob o ângulo da minha visão. Devagar as montanhas vão passando... vou passando por elas. De repente o vale do rio Kabul e a cidade..., outrora, grande e importante centro cultural, hoje..., calcinada por guerras sucessivas e heroicamente sendo reconstruída. Vistas de cima, as casas se misturam com a cor do solo. A maioria delas, construídas com o barro do lugar, têm a mesma cor da terra. É bonito ver Kabul do alto mas estou ansiosa para andar em suas ruas, conhecer o seu povo e sentir a atmosfera da cidade, que esteve em tantas manchetes, como alvo, na caça mal sucedida a Osama Bin Laden. Ali naquele lugar, os afegãos protegeram, em algum momento, o seu hóspede. Para os afegãos os hóspedes são protegidos até com a própria vida. Com isto não contavam ou disto não sabiam. Mas o concreto é que muitos alvos equivocados foram atingidos. Hospitais, escolas e habitações de civis e muitas pessoas morreram.

Kôbul...
Num dia, já há muito passado, você entrou na minha casa,
por uma carta... Kôbul tinha o povo
mais digno jamais visto.
Assim você entrou na minha casa.
A minha geografia não fora tão longe para trazer você a mim.
Foi a carta.
Imaginei...Kabul...o povo mais digno...Afeganistão.
Tão distante.
Pensei em você mesmo sem lhe conhecer.
Eu nem mesmo sabia direito onde lhe encontrar.
Agora Kôbul...aqui estou
na sua pulsação, no seu coração.
A primeira neve ... O primeiro grande frio.
Da janela vejo um pouco das suas casas, da sua gente...a mais digna.
Eu não sabia como caminhar por suas ruas...tinha medo
de não ser o que você queria de mim.
Envolvi meu corpo com muitos panos...como afghani.  
Tinha frio...Coloquei o tchadór.
Aqueci-me e me encorajei e saí..., tímida.
Não importa.
Decidida.
Queria ver seu rosto perto do meu.
Tive medos.
Meu corpo tropical esfriou.
Mas agora, aquecida e devagar percebo seu sentimento.
Vejo pipas coloridas no céu.
Ouço o muezim chamar para oração
nas suas manhãs e tardes,
do alto dos minaretes das mesquitas envelhecidas.
Apalpo seus muros furados por balaços de canhões.
Tateio seus botões de rosa aguardando o calor,
para florescer.
Acaricio seus animais da rua, suas crianças,
com os olhos.
Sua gente, seus pássaros, suas montanhas, sua neblina,
sua neve, seu sol, sua  destruição e seu renascimento,
com os olhos...
Kôbul...Salâm aleikum...


Kabul/março/2005

12 comentários:

  1. Parabéns, Mãe Maria, gosto muito dos seus escritos. Fico feliz de você compartilhar isso com todo mundo.
    Grande abraço!
    Saudades Mãe!!!

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    1. Fico imensamente feliz por vc ter gostado! Devagar vou abrindo o baú e postando e é um grande prazer saber que vc lê os meus escritinhos.

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  2. Minha querida amiga, simplismente Maria

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    1. Gratissima por ter lido querida Elza. Vou postando e será um prazer imenso saber que vc lê.

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  3. Aladas palavras!! Obrigado por compartilhar conosco um pouquinho de você, Maria... nós a amamos, sábia e acolhedora amiga.

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  4. Gostei muito!
    Obrigada por compartilhar!

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  5. Querida amiga Maria dos índios, Maria de todos os povos... Obrigado por este texto tão lindo., você surpreende sempre!


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  6. Itagiba, amigo que não vejo há muito tempo!Fico feliz por vc ter lido e lhe agradeço o carinho nas palavras.

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